segunda-feira, 19 de agosto de 2013

A inclusão de alunos especiais começa dentro de casa



Com paralisia cerebral desde o nascimento, Marco Aurélio Condez teve ajuda do pai, Manoel Joaquim Condez, para se formar em Jornalismo Foto: Agência o Globo / Eliária Andrade
SÃO PAULO - A roteirista carioca Laís Pimentel teve Francisco há 12 anos, quando morava em Londres. Grávida aos 35 anos, ouviu do médico após o parto: “Como você deixou isso acontecer?”. Ter Francisco, portador da Síndrome de Down, não foi apenas uma escolha, mas também um grande aprendizado para Laís. Ela e outros pais de crianças com deficiência abraçaram a educação dos filhos. E mostram o quanto sua atuação é importante à medida que movimentos pela inclusão crescem, ainda de forma tímida, no Brasil.

Há 10 anos, quando Laís resolveu voltar ao Rio, Francisco foi rejeitado por quatro escolas particulares da Zona Sul. Isso vai contra a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), de 1996, que prevê a educação de alunos especiais em escolas regulares.

— Primeiro, chorei; depois, me revoltei. Pensei em processar, mas não fiz, não ia querer meu filho estudando num local onde ele era persona non grata — conta Laís.

Francisco foi aceito na Escola Parque, onde cursa hoje o 6º ano do ensino fundamental. Laís sabe que é privilegiada por poder pagar a escola e todos os extras — fonoaudióloga e aparelhos de tecnologia, aliados na educação de crianças especiais.

— Mas, mesmo assim, a vida acadêmica do Francisco é o que mais ocupa meu tempo. Exijo muito dele, me sento para fazermos o dever e não aceito que ele use o Down para fugir das obrigações — relata Laís, que, desde cedo, percebeu como Francisco “aprende muito vendo”.

O quarto dele é como um mural: letras, números, planetas. O adolescente aprende inglês, francês e é ótimo em matemática. Em sala, possui uma mediadora, profissional essencial, segundo a mãe, para ajudá-lo avaliando o que ele é capaz de acompanhar. As provas são adaptadas.

— Como Francisco não tem capacidade de decorar, precisa aprender mesmo. A prova testa se ele foi capaz de entender, por exemplo, o que é uma raiz quadrada. Tudo dá mais trabalho, mas acho isso desafiador para mim, para os professores e para os colegas da turma — acredita Laís.

Rio e São Paulo investem mais

Portador de paralisia cerebral, o paulistano Marco Aurélio Condez contou com a ajuda do pai para driblar estatísticas desfavoráveis. E não são poucas. Segundo o IBGE, 24% da população brasileira têm algum tipo de deficiência (motora, mental, visual ou auditiva). Mesmo puxando os números para cima, dada a educação especializada que há muito recebem no Brasil, nem os cegos e os surdos conseguem evitar que apenas 3,39% de pessoas como Marco Aurélio consigam completar o ensino superior no Brasil. Se 8,8% das crianças sem deficiência não estão alfabetizadas, o número das com deficiência analfabetas sobe para 17,9%, o que mostra que o início do período escolar pode ser extremamente difícil.

A doença de Marco não atingiu seu intelecto, mas afetou severamente seus movimentos e fala, o que não o impediu de receber, mês passado, o diploma de conclusão de um curso universitário: o de jornalismo. O pai, Manuel Condez, bancário aposentado, 60 anos, foi homenageado na festa de formatura porque, durante quatro anos, frequentou todas as aulas na Universidade São Judas Tadeu ao lado do filho.

— Ele era uma extensão do meu corpo. Quando não podia fazer algo, ele estava ali para ajudar. Anotava a aula, fazia prova, eu soprava as respostas no ouvido dele — conta Marco, de 26 anos, que sonha em ser cronista esportivo (a pedido do GLOBO, escreveu uma crônica sobre a Copa do Mundo de 2014. Está no site do jornal).

Marco usa um programa de computador que faz o cursor se movimentar com sua voz. Abre uma janela com o alfabeto e ele vai digitando, letra por letra. Manuel acha que não fez mais que sua obrigação. Nos ensinos fundamental e médio, confessam os dois, gostariam de ter tido mais orientação e ajuda pedagógica.

— Foi bem difícil. O Marco não conseguiu cursar a escola pública, precisou ir para uma particular. Os mediadores tinham pouquíssima experiência. Não adianta só incluir, é preciso apresentar subsídios — diz Manuel, acrescentando que muitos estudantes e familiares acabam desistindo pelo caminho.

Nas duas maiores cidades brasileiras, as redes públicas se dizem mais bem preparadas a cada ano para receber alunos especiais. A Secretaria Municipal de Educação do Rio diz que, se o valor destinado à educação especial em 2009 foi de cerca de R$ 792 mil; em 2013, é de R$ 7,6 milhões.

— Dos 11.840 alunos com deficiência que hoje temos na rede, 6.730 são incluídos, estão em turmas regulares. Nossa ideia é ter todos em escolas regulares daqui a alguns anos — diz Kátia Nunes, coordenadora de Educação Especial da prefeitura, admitindo que muito trabalho ainda precisa ser feito na capacitação de profissionais para atender a esses alunos e na interação da escola com os pais.

‘Políticas são incipientes’

Em São Paulo, um projeto de ponta realizado desde 2001 e ampliado a partir de 2008 (data da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva do MEC), fez aumentar de 2,2 mil para 15,5 mil o número de alunos incluídos, quase 100% deles (à exceção de alguns surdos) em escolas regulares.

O autismo talvez seja o transtorno mais complicado para inclusão. Mãe de Nathália, de 27 anos, a pedagoga Eliana Boralli fundou, em São Paulo, a Auma (Associação dos Amigos da Criança Autista), que, desde 1990, é um centro de referência para pais e profissionais. Segundo Eliana, apesar de haver tentativas e de o Brasil estar menos preconceituoso em relação a deficiências, “as políticas inclusivas aqui ainda são imaturas e incipientes”:

— Se pais e profissionais não forem treinados para tentar estabelecer pontes que tragam a criança autista e seu mundo particular ao nosso, não é inclusão, e sim, surra pedagógica.

Foi na Auma que Nathália aprendeu a ler, escrever e, principalmente, a ter empatia com o outro. Através de, basicamente, muita repetição e associação. E com muito auxílio da tecnologia.

— Ela agradece, pede licença, pergunta se alguém que chora está triste, pede para ir ver a avó por estar com saudade. Ela aprendeu os modelos do amor. Foi o amor que salvou a minha filha — conta Eliana. — O amparo deles precisa ser diferenciado mesmo. Mas dizer que um autista não consegue interagir e, eventualmente, ser semi-independente é sinônimo de preguiça ou de desconhecimento.





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